27 de maio de 2010

SaidaCaixa

No meio do caminho tinha uma caixa
Tinha uma caixa no meio do caminho
Tinha uma caixa
E como uma gaveta era quadrada e encaixotava pensamentos.
Todos tinham que caber na caixa, sob pena de não existirem.


Tinha uma caixa bem fechada
Nela só entravam os quadrados
Mas eram eles que diziam aos quatro cantos serem donos do pensar.
Tinha uma caixa no meio do caminho do pensar universal
Mas como o universo não cabe numa caixa
O pensamento fluía fora dela, às suas margens
Mesmo que os encaixotados não percebessem.

Inspirado em "No meio do caminho" de Carlos Drummond de Andrade In: Alguma Poesia, Ed. Pindorama, 1930.

26 de maio de 2010

O Fazcine apresenta a exposição “Saidacaixa”


Assista a exposição clicando aqui ou no link SalaEscura no menu ao lado.


A Exposição “Saidacaixa” surge como proposta de pensar a construção da linguagem cinematográfica a partir de máquinas de pré-cinema.  Caixa é o símbolo que remete à quadro, em inglês frame, “elemento atômico de toda linguagem audiovisual”  (MONACHESI, 2009). A caixa é, em outras palavras, o elemento tridimensional do quadro, o volume de um frame. Pensando ironicamente, há de fato uma provocação ao provincianismo, que elogia o pensar em quadros, formatado em caixas herméticas e contrário ao fluir desenfreado do fluxo criativo.

O objetivo da exposição é experimentar hoje linguagens já exploradas historicamente. O cinema surge em 1895, oficialmente. A imagem em movimento que os irmãos Lumière popularizam são, antes disso,  objetos de curiosos brinquedos ópticos que reconstruímos para esta exposição.  Essa viagem no tempo do que estamos denominando de máquinas de pré-cinema está permeada, em todo momento, por nossas contemporâneas linguagens audiovisuais e computacionais. Vimos isso durante o próprio fazer das imagens e nas reconstruções das máquinas.   

Feitas a partir de sucata, resultado do descarte da nossa sociedade de consumo, reproduzimos algumas máquinas de imagens que antecedem ao cinema e que lhe dão o tom para pensar uma linguagem própria. Assim, o movimento é uma categoria que nos interessou pesquisar. Para tanto, os experimentos artísticos do fotógrafo inglês Eadweard Muybridge (1830-1904), considerado "padrinho do cinema" (STERN), foi uma referência para pensar o movimento a partir de imagens fotográficas. Escolheu-se, portanto, a fotografia como ponto de partida para experimentar a linguagem do movimento. A fotografia tal qual os tempos de Muybridge foi trabalhada nas pinholes, a sensibilização do papel fotográfico sem o uso de câmeras e portanto sem os recursos de foco, controle das distâncias e do enquadramento. Experimentamos também a pinhole de filme, que usa a caixa de uma câmera analógica, mas com as limitações de foco, pois no lugar da lente, tem-se o orifício, por onde entra a luz. Os demais experimentos e registros foram digitais. Hoje é mais fácil o uso do digital na captação, edição e tratamento das imagens. Estamos na era dos hibridismos de linguagens e tecnologias.  


Máquinas de imagens expostas

Teatro de sombras - Num teatro de sombras, a silhueta das marionetes ou das mãos aparece numa tela, graças a uma fonte de iluminação colocada por trás. Esse espetáculo parece ter-se originado na China: conta-se que no século II a.C. o imperador Wu-Ti teria se consolado da morte de sua esposa ao ver a silhueta dela projetada numa tela (MARCHAND, 1996). As sombras chinesas só chegaram à Europa no fim do século XVII e ainda é o meio mais simples de contar uma história através de imagens em movimento. Na entrada da exposição utiliza-se luz de alta incidência para que a silhueta do participante da exposição seja o próprio personagem em movimento.

Caixa de teatro de sombras – feita a partir da sucata de um monitor de computador adaptado com luz interna, cenário e bonecos. Ao lado da caixa os participantes da exposição podem dar vazão à criatividade criando histórias trocando os personagens dispostos ao lado da caixa.

Parêntese
No século XIX, aparecem uns brinquedos estranhos: o zootrópio, o fenacistoscópio, o praxinoscópio, que terão grande sucesso junto ao público. Todos eles utilizam a capacidade do olho em “guardar na memória” (MARCHAND, 1996), por um tempo muito curto (um décimo de segundo), uma imagem que já desapareceu. Se encadearmos as imagens que compõem uma ação, criamos uma impressão de continuidade entre essas imagens que são separadas por um intervalo preto: assim nasce a ilusão do movimento.

Já que a exposição tem um elemento nostálgico, para os três brinquedos ópticos a seguir, nos inspiramos numa arte em vias de extinção. Numa era do Google Maps, os mapas feitos à mão com esferográfica azul e em papel de guardanapo deixou de guiar os convidados à festa do fulano de tal. Inspiramo-nos na Hand Draw Map Association, site que reúne contribuições do mundo inteiro ao compilar e publicar virtualmente mapas feitos à mão, dos mais toscos ao mais elaborados.

Fenacistoscópio - Em 1833 aparece o fenacistoscópio de Joseph Plateau. Para animar os personagens desenhados no disco, devemos girá-lo diante de um espelho, olhando por uma das fendas do disco. 

Zootrópio - Por volta de 1835, Horner inventa o zootrópio: um tambor giratório munido de fendas, onde são colocadas tiras de papel contendo desenhos em seqüência. Na nossa releitura, trabalhamos com fotografias e imagens vetorizadas em softwares gráficos.

Praxinoscópio - Em 1877 Émile Reynaud inventa o praxinoscópio. Espelhos são colocados no centro do tambor. O praxinoscópio e o zootrópio utilizam tiras de papel pintadas a mão, mas que, nesta exposição, optamos por trabalhar todas as imagens a partir de experimentos fotográficos.

Pinhole – Para representar a fotografia, escolhemos o Pinhole, uma ‘máquina’ fotográfica feita a partir de caixas de sapato ou latinhas, onde são colocados papéis fotográficos que por meio de um orifício a ser descoberto por apenas alguns segundos, a luz sensibiliza desenha as imagens no papel. A fotografia teve um papel importante na invenção do cinema. Como vimos, por volta de 1820, Nièpce tirou as primeiras fotografias em chapas sensíveis impressionadas pela luz. E, em 1872, o inglês Edward James Muybridge tirou os primeiros instantâneos da história. Graças a diversos aparelhos disparados sucessivamente na passagem de um cavalo, ele consegue decompor o galope do animal.

Flip book – partindo do conceito de que 24 quadros por segundo anima personagens estáticos, dando a ilusão do movimento, os flip books da exposição foram inspirados no 'filme' De janela pro cinema (RODRIGUES, 2005) que narra visualmente a encenação de um beijo de uma Marylin Monroe com um malandro negro, usando um terno branco, ambos de massinha. Produzimos as três versões a partir de uma série de registros fotográficos, sendo que um deles se inspirou na obra performática do artista belga Wannes Goetschalchkx, que se encapsula completamente nu em uma caixa de madeira de apenas 52 cm3.

Mesa de luzbasicamente a mesa de luz é uma moldura com tampo de vidro, uma folha de papel (sulfite fino) para não ofuscar a vista e lâmpadas. Um dos ícones da imagem fixa, a mesa de luz é considerada "território do pós-foto. É onde o negativo fica entre a pancada de luz e a tempestade do olhar impiedoso do fotógrafo. É onde o fato consumado se apresenta e maravilhas inesperadas podem aparecer ou a derrota definitiva se impõe. Reza a lenda que Henri Cartier-Bresson costumava ver seus negativos através de contatos feitos em papéis de pouca gramatura para serem expostos na mesa de luz e de cabeça pra baixo. Se o desenho do negativo fosse interessante até mesmo de cabeça para baixo 'então a foto era boa'". Usamos as experiências de panorâmicas, clicadas do terraço do Museu de Arte Contemporânea, no Parthenon Center de Goiânia. O objetivo era viver a experiência da Janela Indiscreta (1954) de Alfred Hitchcock. A nosso modo, vigiamos os outros com nossas lentes, aliás esse assunto é mais do que contemporâneo (não acha?). 

Blog – este texto que você lê está dentro de um quadro, por isso, tornamos o blog do Fazcine um espaço da exposição “Saidacaixa”. Uma vez que aqui reunimos discussões, textos e vídeos de experiências pré-cinema e que incrementam a proposta da exposição. Mas além disso, é por intermédio do blog, que você de onde estiver, pode entrar no fazcine.blogspot.com e sair da caixa.

Aproveite!
Abraços fazcineclubistas.




Referências:

MARCHAND, Pierre. Segredos do Cinema. São Paulo: Melhoramentos, 1996.

MONACHESI, Juliana. A cultura das tags. In: HTTP vídeo, HTTP som, HTTP tags. São Paulo: Instituto Sérgio Mota, 2009.

RODRIGUES, Quiá. De janela pro cinema. Rio de Janeiro: Centro Técnico Audiovisual, 2005.